quinta-feira, novembro 03, 2005

Memorando: José Serra e o “dilema do lixo” em São Paulo.

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Prezado Prefeito José Serra:
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Desculpe a franqueza do texto, com certo trecho de impaciência e indignação. Chega de resignação.
Mas a excelência faz por merecer.
E a cidadania de São Paulo por assim preferir, ao escrever um alerta, a ter que mais uma ação subscrever.
Não é possível que todo político precise da cidadania, para somente assim, esboçar reação.
Talvez este até seja um alerta político e democrático, contundente ou deselegante, mas é oportuno e útil, mais autêntico do que qualquer agrado fútil.
Um alerta em forma de memorando, para que o Prefeito se lembre do que disse e não desdiga o que disse, ou faça como não disse.
Para que enfrente, de frente, o "dilema do lixo" em São Paulo.
Para que não diga que a cidadania não disse ou se acovardou.
Para que saiba dos riscos que corre, pois a cidadania não corre.
Para que não menospreze a crítica, que pode lhe ser crítica.
Para que pese bem os gostosos elogios, que podem lhe faltar, quando mais precisar.
Para que tenha opinião, conduta e atitude, compatível com a sua história de luta.
Para que a vaidade não anuvie suas idéias ou iluda sua realidade.
Prefeito não é cosmético, não é produto.
Não é shampoo, nem dá satisfação garantida ou garantia estendida.
E não existe "Prefeito perfeito", bem se sabe.
Mas pode haver algo perfeito do Prefeito.
Que entrou para fazer o que ninguém tinha feito.
Devolvendo a dignidade, para a nossa cidade.
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MEMORANDO
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Ao contrário do que prometeu “bombasticamente” em sua campanha eleitoral, o Prefeito José Serra, depois de eleito e empossado, nada fez de concreto, para solucionar o “dilema do lixo” na cidade de São Paulo. Pelo menos, até o momento.
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E não foi somente de suas promessas que o Prefeito eleito se esqueceu. Assim que chegou ao poder, esqueceu-se, também, que sua “quase apertada” vitória se deu em boa parte, a uma continuada desconstrução da imagem da então Prefeita, que foi bombardeada pela mídia (alimentada incessantemente pela cidadania), no tocante aos abusos do lixo de São Paulo, em um ano eleitoral com caráter regional, ou seja, com “tempo, interesse e espaço” claramente delineados, estrategicamente perfeitos para a percepção política.
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Embora os contratos de lixo tenham sido firmados na gestão anterior, é nesta que seus atos e efeitos estão se perpetuando, sendo temerário tê-los por consumados, ou desconsiderá-los, em razão de “parecerem contornados ou sob controle”. Neste passo, é imprescindível dizer que, estrategicamente, os mesmos elementos que chegaram a explodir as pontes do destino político de Marta Suplicy, continuam latentes, também a minar o percurso do Prefeito José Serra.
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Parodiando Sun Tzu: “Não há como um guerreiro se pretender vitorioso em uma campanha, se presume como inexistentes as minas, os exércitos adversários e as estratégias de cada zona de batalha. Não é porque não os vê, que não existem. O guerreiro deve antevê-los”.
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O que se quer dizer é que o “dilema do lixo”, a não ser que enfrentado condignamente e solucionado de uma vez por todas pelo atual Prefeito, voltará a apavorar a cidade de São Paulo, quando menos se esperar ou desejar, já que é uma óbvia bomba-relógio que pode ser acionada, até a distância. É um dilema mal-cheiroso que há décadas, maltrata o erário da cidade de São Paulo, a lei e os princípios da eficiência, da transparência, da moral e da proporcionalidade.
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E o formato adotado (concessão bilionária, por 20 anos prorrogáveis, com concentração em apenas 2 áreas) que, aparentemente, é aceito ou tolerado, por conveniência, também pela gestão atual da PMSP, consegue receber uma unânime reprovação, reunindo inimigos e descontentes de todos os tipos (mídia, instituições, empresas concorrentes, acadêmicos, promotores, técnicos, contribuintes, população atingida, especificamente, pelos novos aterros e a sociedade em geral) e em todas as esferas: as sociais, as populares, as empresariais, as administrativas, as judiciais e até mesmo as de contas.
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Prova de tais fatos se dá às pencas na esfera do direito público: por dezenas de notícias dos melhores jornais, pelas ações populares da cidadania e pelas ACPS do MP na Fazenda Pública de São Paulo e da cidadania na JF/DF, nas gestões e representações da cidadania junto ao CADE/SDE/MJ, pela Moção de repúdio ao Novo Aterro em Perus/SP e ao formato do “lixo de São Paulo” por parte de dois municípios lindeiros à cidade (Cajamar e Santana do Parnaíba), pelo parecer da OAB/SP que condenou a “concentração econômica” propiciada pela Concorrência 19/SSO/2003, pela formação do “Movimento Lixão +1, Não!” (que reúne 27 ONGs de Perus/SP), pelas passeatas que já se iniciaram, pelo sítio da Internet (http://www.mafiadolixo.adm.br/) que incansavelmente demonstra os abusos e ilegalidades praticadas no mercado do lixo em SP, pelas condenações parciais pelo TCM/SP, pela revolta popular contra a instalação de um novo aterro impossível e etc ... .
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Na esfera do direito privado, o Prefeito José Serra nada tem feito também para obter uma melhor avaliação em seu trato do “dilema do lixo”, já que toda a população do bairro de Perus está sofrendo diretamente com a “total ausência de posturas e decisões atuais” da PMSP, que houvera escolhido e decretado de utilidade pública, na gestão anterior, quase 2 milhões de m2 da região, para instalar o “novo aterro sanitário” incumbido de receber todo o lixo da região central/norte/noroeste/oeste de São Paulo.
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Um aterro que todos sabem ser impossível, inclusive a PMSP, já que a região escolhida de Perus não comporta um lixão com tal magnitude, por óbvias questões ambientais, urbanísticas e sócio-econômicas. Tanto é que a PMSP não detém uma só licença, nem mesmo prévia, dos órgãos ambientais e urbanísticos, que a autorize a lá instalar um novo lixão.
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Mas a imoralidade da PMSP fica evidente, quando o Prefeito atual ‘permite’ que fique decretada de utilidade pública a região atingida pelo aterro impossível e não indeniza os seus proprietários, nem mesmo pela desvalorização de suas propriedades. É IMORAL.
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E enquanto o Prefeito “não decide” revogar o imoral Decreto, a região de Perus vem tendo suas propriedades privadas se desvalorizando a galope, em razão das notícias do novo lixão, já que ninguém compra, investe ou constrói em área de utilidade pública, especialmente a vizinha ou inserida em um lixão.
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Se o atual Prefeito não resolve, não decide e também não paga nem mesmo as indenizações comandadas por lei, como esperar que, algum dia, possa pagar precatórios ou cuidar de outras dívidas de maior monta, como as federais?
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O dilema do lixo de SP se tornou, portanto, um autêntico drama social e econômico, merecendo ser também detidamente analisado sob o ponto de vista legal, como se pode ver a seguir:
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As evidências demonstram que o formato (edital, contratos e consecução) da concessão de lixo de SP feriu (e ainda fere, pois nada mudou) os mais diversos diplomas legais*, tais como, dentre outros: a Lei 8666/93- licitações públicas (arts. 3.º, §1.º , I, 7.º, I, II, III, §1.º, §2.º , I , §5.º, §6.º, 54 e 55); a Lei 8884/94 – defesa da concorrência (arts. 15, 20, 21 e 54); a Lei 9.784/99 – processo administrativo (arts. 2.º, 53 e 55); a Lei 8.987/95 - concessões (arts. 4º, 5º, 14, 16, 17, 18 e 31); a Lei 10.406/02 – Novo Código Civil (no que trata de contratos e direitos reais); a Lei 6938/81 – Meio ambiente (arts. 9.ºe 10.º); as Resoluções CONAMA 001/86 e 237/97; a Lei 10.257/01 – estatuto da cidades (arts. 4º, 36, 37 e 38); as resoluções SMA nº 51/97 e RS. 54/2004; a Lei Municipal 13.885/04 – Plano Regional Estratégico da Subprefeitura Perus (arts. 40, 96, 97, 101, 102, 103, 157, 158, 164, 170) e em seu Anexo 1 – Livro 1 (arts. 4.º, 21, 23) + Quadros 4A e 4B; a Lei 13.430 - Plano Diretor Estratégico de SP (arts. 7.º 8.º 10, 54, 55, 56 , 65, 70, 71 72, 256 e 257, 266, 267, 268, 275, 279 e 280).
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Enfim, do ponto de vista legal, é insofismável que a discricionariedade da PMSP extrapolou e ainda extrapola os mais diversos limites aceitáveis pela dignidade humana, pois a PMSP não detém estudos sócio-econômicos que justifiquem seus atos, processos administrativos que embasem suas escolhas, mapas que indiquem sua boa intenção e aprovações prévias imprescindíveis (meio ambiente e uso do solo), além do que, provavelmente está pagando preços cheios em contrato administrativo bilateral, em que a Concessionária não está realizando suas obrigações, notadamente, os investimentos a que seria obrigada em tempo hábil. Destaque-se que sempre alegou a PMSP serem os investimentos o principal motivo para o formato e os preços da Concessão(sic)! E que os maiores investimentos deveriam se dar exatamente na construção de novos aterros para receber o lixo de São Paulo, já que os atualmente existentes se exaurem em poucos meses!
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Não é demais lembrar que parte das Empresas Concessionárias contratadas recentemente pela PMSP, para a coleta e deposição do lixo de São Paulo, são rés com condenação de 2.º grau, em Ações de Improbidade Administrativa movidas pelo MPE/SP e que a execução de tais condenações, que envolvem a proibição de contratar com o poder público, está pendente tão somente em razão de “liminares” do STJ. Reze-se para que tais empresas vençam todas as demandas em que são rés (inclusive nas que já se encontram condenadas) ou que tenham oferecido garantias suficientes nos Contratos em que são titulares!
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Destaque-se que a análise da legalidade dos Contratos de Lixo de São Paulo, que se dá atualmente no Poder Judiciário de SP, ainda não se deu em face de 80% da legislação ou dos fatos ora dispostos, sendo que se encontram sub-judice, quase tão somente, em resumo: o conhecimento prévio dos resultados da licitação que se demonstraram exatamente iguais aos registrados anteriormente em cartório, o superfaturamento dos preços da concorrência, os seus aspectos de fraudes e acertos entre as empresas vencedoras (por serem ofensivas à Lei 8884/94) e as questões envolvidas com a PMSP, por não ser proprietária dos terrenos que, sem adquirir ou indenizar, licitou e contratou com 3.ºs, para a construção de um novo aterro.
Frise-se ainda que, nas medidas judiciais em andamento, a PMSP apenas requereu a inversão de seu pólo (de passivo para ativo), nas poucas ações judiciais em que é parte, alegando apenas alguns aspectos da Lei 8.987/95.
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Na esfera administrativa, já devem estar tramitando alguns procedimentos que talvez a PMSP ainda nem conheça ou tenha se apercebido de sua possível gravidade, tais como os do MPE/SP (meio ambiente, cidadania e urbanismo), do TCM/SP (várias representações e notificações) e também junto a diversas outras instituições do poder público municipal, estadual e federal, ligadas direta e indiretamente às escolhas das autoridades paulistanas quanto ao lixo de SP, que já foram notificadas, sob pena de responsabilidade e responsabilização pessoal, como a própria PMSP, a Secretaria de Serviços, a Secretaria do Meio Ambiente, a Secretaria do Planejamento, a Secretaria Estadual do Meio ambiente, a Sub-Prefeitura de Perus, a Câmara Municipal de São Paulo, a CETESB e o IBAMA.
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Também é necessário dizer que até as atuais CPIS e a Polícia Federal vêm investigando concessões de lixo no país inteiro, incluída a de São Paulo, e suas conexões com doações eleitorais.
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Enfim, são tantas as evidências e possibilidades negativas para o "dilema do lixo" em São Paulo, que cabe notável dúvida sobre quais seriam os reais motivos que levam o Prefeito José Serra a não agir para resolver o imbróglio.
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Ou talvez seja necessária uma crise política ainda pior, com maior abrangência, para que consigam entender as autoridades paulistanas a dimensão do dilema do lixo, que estão se furtando a enfrentar.
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EM CONCLUSÃO:
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Caso o Prefeito José Serra insista em uma postura passiva, com uma abordagem inercial ou meramente temporal do “dilema do lixo em São Paulo”, é inevitável que os problemas, em sua profusão, o alcancem, maculem a sua administração e até prejudiquem seus anseios políticos. O que não é possível que se planeje e que pode ocorrer a qualquer momento ou quando menos se esperar ou desejar.
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Basta que uma primeira medida liminar seja concedida (a partir dos tantos temas aqui resumidos, que ainda não foram analisados pelo Poder Judiciário) e que esta se torne “notícia de capa” dos melhores periódicos. “É o carimbo do lixo”, como costuma dizer o combativo cidadão Enio Raffin, em seu site “máfia do lixo”. Foi assim que aconteceu com a Prefeita Marta Suplicy, que embora tenha sido democraticamente alertada, preferiu "ignorar a pobre cidadania" e "confiar em sua nobre assessoria".
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Lembre-se, o Prefeito, que uma liminar pode ser postulada por qualquer cidadão comum dos milhões da cidade de São Paulo, repleta de insatisfeitos com o dilema do lixo, e que as Leis 4.717/65, 7.347/85 e 8.429/92 (conhecidas respectivamente como as leis da ação popular, da ação civil pública e da improbidade administrativa) são rigorosas e por vezes mais eficientes “comunicadoras”, que qualquer numerosa assessoria de comunicação.
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Deve ser mencionado que, no tocante ao enfrentamento do “dilema do lixo”, a atual gestão pode estar abusando de sua boa sorte, pois já atravessou o limite do bom senso em suas escolhas administrativas e políticas, sendo iminente, se já não ocorreu, a sua inquirição pública e popular pelos atos que vem praticando. Da inquirição pelas autoridades do MP (fato legal) ao acampamento popular nas portas da PMSP ou de seus Secretários (fato político), não há como as outrora ‘promitentes’ autoridades do município de São Paulo, furtarem-se ao ‘compromisso’ que assumiram eleitoralmente com a população de São Paulo e a legalidade.

E não é preciso ser nenhum profeta para avisar que a inércia política ou a mera tentativa, não merece recompensa. Ademais, a dignidade que o atual Prefeito pode estar sangrando em sua inércia, por evidência, do povo de Perus (atingido diretamente por um aterro impossível, indesejável e não indenizável), poderá acabar por ser trocada pelo que ele, Prefeito, mais preza, o seu prestígio político, o que está, sem dúvida, arriscando.
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Considere também, o Prefeito, que desgraças e má sorte políticas são comuns e diuturnas no atual cenário político brasileiro, “com ânimos acirrados em casas de teto de vidro”, podendo começar até com avisos etéreos, como a simples quebra de um salto de sapato ou o arremesso de um ovo que, aliás, diga-se de passagem, já ocorreu na atual administração.
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De tal forma, é absolutamente necessária uma postura ativa e corajosa do Prefeito, a se resolver o dilema do lixo em SP, que pode até, estar apenas recomeçando.
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Deve o Prefeito esmiuçar de maneira ativa, na esfera administrativa, os Contratos de Lixo de São Paulo, mandando instaurar quantos processos se fizerem necessários, a se averiguar todas as ilegalidades apontadas neste pequeno alerta que ora se faz.
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Neste documento foram apontadas pelo menos “dez leis distintas” em que a Concessão da coleta de lixo de São Paulo (edital, contratos e consecução) ofendem a lei, enquanto, pelo que se sabe, não existe atualmente um só processo administrativo que analise, com propriedade e isenção, os atos praticados em confronto com o que a lei dispõe!
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No tocante aos Contratos de Concessão de Coleta de Lixo, especificamente, não espere o Prefeito que estes se auto-denunciem ou que as Concessionárias falhem na consecução de seu objeto, para que possam ser considerados ilegais. É acaciano que a Coleta de lixo como posta (ou imposta por “goela abaixo”, como preferem alguns), deverá ser mais que satisfatória, em função dos “estapafúrdios preços” que a cidade vem pagando e pelo prazo “imperial” que tem o Contrato.
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Também não imagine, ingenuamente, que os preços superfaturados que os Contratos prevêem, possam servir de base a negociações administrativas impossíveis (vedadas por lei), para também incluir ou compensar tarefas correlatas do Poder Público Municipal, como a da varrição.
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Sugere-se, enfaticamente, que a PMSP examine os Contratos de Concessão, em processos administrativos independentes, de acordo com sua matéria e competência, para que sejam verificados os seus imprescindíveis requisitos de validade e eficácia e não apenas a mera consecução de seu objeto.
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A solução do dilema está na Lei e não no contrato. E depende de coragem e vontade políticas, não da inércia ou do tempo.
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Finalmente, cabe dizer que: “sem estudos sérios e verossímeis, sem processos administrativos, sem cautelas, sem planejamento, sem licenças, sem a análise integrada da política pública de lixo dentro do arcabouço legal brasileiro, sem a oitiva do MP, sem a aprovação popular, sem o respeito à cidadania, sem devolver a dignidade ao povo de Perus, sem coragem política e sem vontade administrativa, talvez esteja fadada a atual gestão da PMSP a enfrentar outros “cem processos” judiciais.”
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Espera-se ansiosamente, enfim, por atitudes enérgicas, corajosas e coerentes do Prefeito José Serra para a solução definitiva do dilema do lixo em São Paulo, mostrando que tem preparo e competência para enfrentar e solucionar quaisquer problemas complexos, inclusive os nacionais. O que é fundamental, caso realmente pretenda ser, brevemente, candidato a Presidente da República.
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Mas a escolha é livre. Marta escolheu. Que escolha José Serra.