quinta-feira, novembro 03, 2005

Alguns conflitos "gritantes" do lixo de SP e a lei.

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ALGUNS CONFLITOS GRITANTES ENTRE OS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE LIXO DE SÃO PAULO E O QUE PREVÊ A LEI E ALGUNS COMANDOS RECENTES DA ESFERA ADMINISTRATIVA FEDERAL.
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1. Lei 8666/93 - Licitações públicas
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A PMSP elegeu, de forma expressa, no Edital da Concorrência do Lixo 019/SSO/2003, uma “área específica” e um “formato determinado (serviços, obras e prazos obrigatórios)” (ANEXOS I, I.C., I.C.I.), para que fosse construído um novo Aterro Sanitário em São Paulo, pela Concessionária que viesse a vencer o certame da região Noroeste.
O Contrato de Concessão, em suas Cláusulas 8.2. (incisos III, V, VIII, XIV, XXI e XXII) e 8.5., prevê diversas obrigações da Concessionária a respeito, que não foram cumpridas e que talvez jamais o sejam, tanto por serem presumivelmente impossíveis, quanto pela subjetividade já de antemão anunciada pela seguinte Cláusula 8.6., reforçada por seus paradoxais e “conflitantes” ítens 8.6.1. e 8.6.2..
Ou seja, as cláusulas incentivam a CONFUSÃO, já que permitem à Concessionária a substituição da “área escolhida” por motivos de força maior (que já eram conhecidos desde então pela PMSP), ao mesmo tempo em que a Concessionária “garante ter analisado e declara concordar com a compatibilidade da área indicada”.
As disposições do Edital e do Contrato conflitam claramente com o art. 3.º da Lei 8666/93, que comanda a vinculação da licitação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, impossíveis na confusão em tela.
Caso se considere que a magnitude do investimento em tal aterro (que não ocorreu até hoje), foi o motivo preponderante que sempre alegou a PMSP para CONCEDER a coleta de lixo em São Paulo no formato então adotado (concessão, prazo de 20 anos prorrogáveis, em apenas 2 áreas), também restam claramente ofendidos os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da igualdade, previstos no mesmo art.3.º caput e em especial, em seu § 1o, I, já que o Edital e o “valor do investimento” obviamente impediram a ISONOMIA e restringiram a participação de competidores, especialmente dos que não poderiam dispor de tamanho fôlego financeiro. Fôlego que configuraria, à época, uma clara vantagem competitiva para as Empresas então concorrentes, que tivessem um “aterro pronto” capaz de receber o lixo de São Paulo e que permitisse que fossem contornados quaisquer dos “motivos de força maior” apontados. Coincidentemente, somente existia um Consórcio com tal capacidade, exatamente o que se sagrou vencedor do certame na região Noroeste de SP.
Os “motivos de força maior” previstos no Edital e no Contrato de Concessão eram por sua vez, no caso em tela, não somente previsíveis, mas obviamente prováveis, imorais e ilegais, pois a PMSP escolheu e indicou área em Perus que sobejamente sabia ser impossível que recebesse um aterro sanitário, pois está localizada em região de preservação ambiental que, ainda que não o fosse, também possui rígidas restrições urbanísticas. Pasmem que a macrozona de preservação ambiental em que a área se insere e as restrições urbanísticas mencionadas constam de legislação recente da própria PMSP, que é o Plano Diretor de São Paulo e o Plano Regional estratégico da Sub-prefeitura de Perus. Como poderia então, configurar “motivo de força maior”, uma escolha feita pela PMSP, que já era vedada previamente por sua própria legislação? Poderia a PMSP alegar desconhecer o Plano Diretor da cidade? Não é imoral?
Diga-se, ainda, que os comandos do Edital e do Contrato também não seguiram, obviamente, os ritos previstos no art. 7.º, I, II, III, §1.º, §2.º , I e §5.º da Lei 8.666/93 devendo ter aplicada toda a rigidez prevista em seu §6.º, pois a PMSP jamais chegou a concluir nem a etapa inicial da Concorrência, qual seja, um projeto básico que deveria conter obrigatoriamente as imprescindíveis licenças prévias, no mínimo do meio-ambiente e do urbanismo, para que somente então fosse feita a licitação. O que se sabe, diante dos fatos já postos, que seria impossível e não poderia também configurar motivo de força maior. Afinal, qual autoridade poderia ser tão displicente e irresponsável, a ponto de autorizar, assinar ou permitir um acinte jurídico-administrativo de tal monta?
Por fim, diante da Lei 8666/93, sepulta-se a Concorrência SSO/19/2003 e os Contratos dela originados, pelo que prevêem os seus arts. 54 , § 1.º e 55 in totum, já que no caso em tela é impossível a clareza e precisão de Contratos com tantas subjetividades, com um objeto impossível e de preços relativos que não guardam qualquer consonância com a realidade ou a legalidade. Isto sem contar que os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, devem supletivamente se aplicar aos contratos administrativos, o que será debatido a seguir.
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2. Lei 10.406/02 - Novo Código Civil
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Como pôde a PMSP licitar e contratar (dispor) para terceiros de propriedades privadas alheias? A Concessão de Coleta de Lixo de São Paulo se apropriou, de maneira ilegal e imoral, de bens particulares (art. 98) na consecução de uma política pública discutível, com objeto ilícito e impossível, que não obedece à forma prescrita em lei (art. 104). O negócio jurídico praticado pela PMSP é, portanto, notadamente, carente de validade jurídica (Art. 108). A PMSP, ao mesmo tempo, simplesmente ignorou os direitos reais protegidos pelos arts. 1225, 1228, §3.º, 1275 e 1420 do NCC e a própria “Teoria geral dos contratos”, esta última também ofendida pela consecução recente dos serviços previstos pelo Contrato Administrativo de Concessão, que é bilateral e requer obrigações de ambas as partes, como por exemplo, o da Concessionária realizar investimentos em tempo certo e previamente determinado, o que não pode ser transigido pela Administração Pública, dadas as formalidades legais exigidas para os atos administrativos.
Cabe mencionar ainda as novas disposições que trazem o NCC, no tocante a responsabilidade objetiva dos agentes públicos, que poderão, em razão de sua inércia ou negligência, ser condenados a indenizar pessoalmente a todos os atingidos, direta e indiretamente, pelo sofrimento vivido da expectativa da consecução ou não do nefasto aterro.
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3. Lei 8884/94 – Defesa da Concorrência
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“Documentos registrados em cartório e interceptações de conversas telefônicas entre agentes ligados a empresas do setor do lixo revelaram uma trama criminosa organizada, que tinha por escopo fraudar e direcionar o resultado de licitações relativas à limpeza urbana” (trecho de ACP movida pelo MPE/SP)
Os indícios de fraude no certame do lixo em São Paulo, como apontadas em profusão, em sede de ACP, pelo MPE/SP, têm sido solenemente ignorados pela PMSP, como se alguns de seus próprios agentes não fossem réus no Processo. A não ser que existam inquéritos administrativos ou sindicâncias sigilosas a respeito, a PMSP tem vestido uma conveniente “máscara de paisagem”, como popularmente se costuma dizer.
Além das fraudes à Competição apontadas pelo MPE, o que tipifica “condutas” pelos arts. 20 e 21 da Lei 8884/94 (que possui objetivos distintos da lei 8666/93), também têm sido ignorados pela PMSP, os aspectos estruturais para a preservação de um mercado concorrencialmente saudável e uma competição justa no Mercado de Lixo em São Paulo.
O Edital do certame n.º O19/SSO/03, no item 1.2, ao dividir o município de São Paulo em dois mega-agrupamentos, o Noroeste e o Sudeste, restringiu, sem justificativa válida ou proporcional, a livre concorrência. E também estipulou prazos inverossímeis e por demais radicais, em razão do que prevê a própria legislação municipal, a Lei 13478/02.
Em tal sentido se pronunciou recentemente, em sede de PARECER, a Comissão de Estudos da Defesa da Concorrência e Regulação Econômica da OAB/SP, que chegou a condenar “concorrencialmente”o certame.
Também, recentemente, pronunciou-se o CADE, em semelhante sentido, no julgamento do AC 08012.008614/2004-44: “o prazo de 240 (duzentos e quarenta) meses, estimado para o Contrato de Concessão é elevado. Sob o aspecto antitruste, para que se observe uma maior competitividade no mercado relevante definido, urge que o poder concedente celebre contratos com menor durabilidade e de menor extensão geográfica. Deste modo, é necessária a sugestão à Prefeitura do Município de São Paulo de adequação de seus Contratos de Concessão em vigência, bem como os que vierem a ser celebrados, à menor duração e extensão geográficas possíveis, estimulando, portanto, a configuração de um mercado mais competitivo e pulverizado”.
Embora os documentos acima referidos tenham sido oficialmente entregues à PMSP, esta tem ignorado solenemente o seu contexto, como se a Lei 8884/94 não se aplicasse à pessoa jurídica de direito público interno, que é a PMSP, o que conflita com o art. 15 da Lei 8884/94.
O desprezo da PMSP pelo diploma concorrencial, diga-se de passagem, surpreendentemente já está se repetindo com a atual Concorrência municipal para a varrição. O que é infeliz, pois a Lei 8884/94 possui várias diretrizes que permitem um ideal enquadramento das políticas publicas municipais, com seus objetivos de eficiência. O que permitiria ou até comandaria, também, um rígido enquadramento da Concessão da Coleta de Lixo em São Paulo.
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4. Decreto Lei 3365/41 - Desapropriações
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A PMSP está promovendo uma “desapropriação indireta e imoral” das propriedades inseridas nos Contratos de Concessão de Coleta de Lixo de São Paulo, já que licitou, contratou com terceiros e decretou de utilidade pública, propriedades privadas alheias, sem indenizar por elas os seus proprietários.
E a PMSP está agindo em clara extrapolação de seus poderes discricionários, pois terminou por engessar todo o desenvolvimento sócio-econômico de um bairro (Perus), como previsto em seu plano regional estratégico e por desvalorizar o patrimônio individual de cada proprietário atingido direta ou indiretamente pelo aterro impossível.
Independentemente da verba expropriatória, que seria de responsabilidade da Concessionária, a PMSP é obviamente responsável pela inércia na fiscalização das obrigações da mesma e do que está propiciando a todos os proprietários de áreas em Perus, que estão assistindo o valor de suas propriedades se esvair, diária e imoralmente, dentre seus dedos, acarretada pela abusiva negligência da PMSP. Especialmente, diante da impossibilidade do aterro e das ilegalidades apontadas nos outros tópicos.
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Enfim, existem ainda diversos outros pontos em que a concessão da coleta de lixo de São Paulo fere a legalidade, os mais diversos princípios de direito, a moral, o erário da cidade e o mais elementar bom senso. Este é apenas um primeiro capítulo de uma série. Semanalmente serão oferecidos outros enfoques de ilegalidade, diante de outras legislações. Aguardem pelos capítulos que abordem especificamente o Meio ambiente, Urbanismo e até o das coincidências em doações eleitorais.