quinta-feira, novembro 17, 2005

LIMITE DOS JUROS. QUEM GOVERNA O PAÍS? - pelo Prof. Adriano Benayon

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Tenho a honra de transcrever, a seguir, mais um artigo do Prof. Benayon, que foi publicado em "A Nova Democracia"( www.anovademocracia.com.br ) -Ano IV - nº 27 – novembro de 2005
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LIMITE DOS JUROS. QUEM GOVERNA O PAÍS?
Adriano Benayon * - 26.10.2005
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De outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição, até 30 de maio de 2003, data de publicação da emenda nº 40, esteve em vigor o dispositivo da Constituição Federal que limitava a 12% os juros reais e demais encargos em todo o País.
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Entretanto, a supremacia do poder financeiro sobre os três poderes oficiais da República impediu a aplicação da norma durante os quase quinze anos de sua vigência constitucional. Com efeito, raros foram os juízes, mesmo em instâncias inferiores, que a fizeram valer.
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Dizia o “§ 3º do art. 192: “As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.”
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Em 6 de outubro de 1988, o dia seguinte ao da promulgação da Constituição, sob a pressão irresistível (?) dos potentados financeiros, o presidente José Sarney aprovou parecer normativo do Consultor-Geral da República, em que este considerou não ser a norma “auto-aplicável”. Em 7 de outubro, o Banco Central emitiu a Circular 1.365, pela qual os bancos foram notificados de que não precisariam respeitar o limite imposto pela Constituição.
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Que rapidez, que “eficiência” pró-bancos! Aí está um exemplo contundente de que, em se tratando de servir à oligarquia financeira e agradar o FMI, a Constituição não é respeitada.
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O Consultor da República usou de argumentos extra-jurídicos, como o de que a proibição levaria os “investidores” para o mercado do ouro e para o paralelo de câmbio. Controles de capitais e de câmbio afastariam qualquer eventual dificuldade desse tipo, mas isso significaria liberar-se da tutela exercida pelo FMI.
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O pretexto foi tirado da expressão final do parágrafo: “nos termos que a lei determinar”, a qual se referia ao aspecto penal, a saber, à tipificação e às penas que devessem ser cominadas. A diretiva constitucional, de resto, nunca foi cumprida pelo Legislativo nem pelo Executivo.
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Se a remissão à lei complementar se referisse à proibição da cobrança excessiva, deveria estar no inicio ou no meio do parágrafo, e não, desgarrada no final da última frase, esta separada por ponto e vírgula do corpo do texto que proibia a agiotagem.
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A norma era clara e não carecia de regulamentação. Mais: ainda que esta fosse requerida, já estava na Lei contra a Usura, de 1933 (Decreto 22.626/33), a qual, não tendo sido revogada, foi recepcionada pela Constituição de 1988. Juristas respeitados afirmam – e isto foi reconhecido em tribunais - não ter havido tal revogação, nem mesmo em 2003, quando foi suprimido o § 3º do art. 192 da Constituição.
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A lei contra a usura foi instituída em 1933 pelo Governo Provisório, chefiado pelo presidente Getúlio Vargas. A limitação por ela determinada é idêntica à do § 3º do art. 192 da Constituição de 1988.
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Do final de 1964 a março de 1989, prevaleceu dispositivo da Lei 4.595/64, que outorgou poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários. Essa lei provinha do primeiro governo pós-1964, sob o comando econômico dos Srs. Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, identificados com banqueiros e outros grupos concentradores. Diz o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):
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“Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional.”
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Além de ter, em 1988, arranjado o parecer normativo do Consultor-Geral da República, os concentradores financeiros, capitaneados pela FEBRABAN, contrataram juristas renomados para apoiar a tese da não-auto-aplicabilidade da norma constitucional anti-usura. Obtiveram satisfação (seis votos contra quatro), quando a da maioria do STF adotou a Súmula 648, na decisão plenária sobre a ADI 4, de 07/03/91. Diz a súmula: “a eficácia e a aplicabilidade da norma de limitação dos juros reais pendem de complementação legislativa".
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A norma, entretanto, era claríssima, e não havia dificuldade alguma em aplicá-la. Os detalhes de cada caso podiam ser definidos por contrato ou por decisão judicial. Por exemplo, o índice de inflação para o cálculo dos juros reais.
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Em suma, para favorecer a oligarquia mundial, nunca falta a subserviente iniciativa do Executivo, nem a servil aprovação do Legislativo. Mas, quando a questão era regulamentar a norma constitucional favorável ao País e a seu povo, o que houve foi omissão, por quase 15 anos, a qual só terminou para retirar da Constituição limite aos juros. Há como duvidar que a República foi suspensa, governada que está por agiotas?
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Posta a questão, em 2004, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), prevaleceu a opinião do relator, ministro Sepúlveda Pertence. Este, ignorando a lei anti-usura, de 1933, decidiu que não existe lei reguladora da matéria. Arrumou, assim, um pretenso vácuo para - ainda pior - preenchê-lo com o dispositivo da Lei 4.595, de 1964, que delega o poder regulador ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e foi revogado pelo art. 25 do ADCT.
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O CMN é um colegiado cujas decisões são determinadas pelo presidente e diretores do Banco Central, coadjuvados pelo ministro da Fazenda, i.e., os que propiciam o pantagruélico banquete em que se regalam os banqueiros às expensas da economia produtiva e dos brasileiros em geral.
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Os 12% reais são um teto muito alto, que só deveria incidir nas operações de extremo risco, quando o devedor não oferecesse garantias, nem demonstrasse sólida situação financeira. Portanto, não deveriam passar de 7% aa. os encargos financeiros reais cobrados de empresas e pessoas físicas com crédito bom, o que ainda seria muito elevado na comparação internacional. Sobre o crédito soberano, como a emissão de títulos da União, não deveriam incidir taxas superiores a 2% reais ao ano.
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* benayon@terra.com.br. Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”. Editora Escrituras: www.escrituras.com.br