terça-feira, outubro 25, 2005

Notas críticas sobre o PL 326/2005 que "pretende" instituir a política estadual de resíduos sólidos no estado de São Paulo

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Os resíduos sólidos são um problema mundial, que afeta a vida de todos, pessoas, empresas e governos, indiscriminadamente.
Da educação e esforço individual que devem ocorrer na diminuição de sua ocorrência, até o sacrifício público em sua deposição, das maneiras pelas quais podem estes ser transformados, reaproveitados ou destruídos, até as inúmeras tecnologias disponíveis e inovações que merecem ser implementadas em tal intento, os resíduos sólidos ocupam, sem sombra de dúvida, um papel de destaque em qualquer política pública que preze o meio-ambiente, especialmente as mais atuais, que já prevêem, em sua maioria, os objetivos e os planos para se obter o “desenvolvimento sustentável”.
E não deveria ser diferente no Brasil ou nos Estados e nos Municípios que compõem nossa Federação. Infelizmente, contudo, a inteligência e os exemplos internacionais estão sendo sub-aproveitados, nas mais diversas legislações locais que têm sido aprovadas recentemente pelo Brasil afora ou que ainda se encontram em discussão.
Em tal sentido, cabe informar que está tramitando atualmente, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, o PL 326/2005, que institui a “política estadual de resíduos sólidos”. Já na “ordem do dia”, está o referido projeto “pronto para votação”, após diversas audiências públicas e meses de debates entre políticos, empresas, ONGS e autoridades ligadas ao meio-ambiente.
Porém, desafortunadamente, já nos “acréscimos do tempo regulamentar de jogo”, este cidadão tomou conhecimento do tão esperado projeto e deve a ele, tecer críticas porventura contundentes, mas oportunas e ainda tempestivas, para que não tenha o Estado de São Paulo, que revê-lo em curto espaço de tempo. Senão vejamos.
O PL 326/2005 poderia incorporar diversos conceitos mais evoluídos de desenvolvimento sustentável, devendo ser mais explícito, corajoso e detalhado no tocante aos resíduos sólidos recicláveis e reutilizáveis como bens econômicos que são, aproveitando, por exemplo, algumas iniciativas constantes do Protocolo de Quioto.
Também peca o Projeto a não contemplar diretamente algumas novas alternativas e possibilidades público-privadas que já estão positivadas em lei, que é o caso da Lei 11.079/04, que instituiu a parceria público-privada (PPP), no âmbito da administração pública e o da Lei 11.107/05, que instituiu recentemente a possibilidade dos Consórcios públicos.
Curiosamente, ao mesmo tempo e em sentido contrário, o PL, em seu art. 27, intenta instituir e “legalizar” um “formato” que tem provocado polêmicas e controvérsias, ao autorizar que sejam considerados como usuários dos serviços de limpeza urbana, não somente as pessoas físicas ou jurídicas, mas também as pessoas jurídicas de direito público ou privado e os municípios, nos casos de concessão.
Explique-se. Tal entendimento desquita-se, em absoluto, do que prevê a lei federal 8.987/95 (que disciplina o instituto da concessão) e tem provocado bilionárias discussões judiciais, como as que ocorrem atualmente, por exemplo, com a Concessão da Coleta de Lixo no Município de São Paulo. Também não é demais lembrar que o atual “modelo de concessão” de coleta de lixo (prazo/preços/serviços/investimentos/aterros) que tem sido implementado, nos últimos tempos, em diversas comarcas brasileiras, vem sendo objeto de combate dos mais diversos Ministérios Públicos e se encontra em análise até pelas autoridades responsáveis pelo “direito da concorrência” no Brasil (SDE) e pela Policia Federal, que vêm investigando as estranhas e imorais coincidências comuns nas concessões de coleta de lixo, que foram recentemente descortinadas pelas CPIs, que apuram as mais recentes corrupções brasileiras (correios, bingos e compra de votos).
Mas a polêmica em torno de tal tema, a “concessão da coleta de lixo”, continua com o que ainda prevê o PL 326/05, no tocante à deposição dos resíduos sólidos e dos aterros, pois este especifica a obediência à “legislação e regulamentação pertinente”, quando se sabe que em se tratando de políticas públicas, deveria o Brasil evoluir para respeitar o “seu arcabouço legal vigente” e não apenas a legislação específica, a se evitar antinomias jurídicas, a ineficácia da lei ou o abuso de discricionariedade pelo poder público, que é o que ocorre, por exemplo, quando aterros precisam ser “emergencialmente” implantados, pois já foram licitados e contratados com novas Concessionárias, ainda que sem o planejamento e o licenciamento prévio de impacto ambiental ou sócio-econômico. Ou seja, usam da urgência, quando previamente se esqueceram de fazer o óbvio importante.
Devo parodiar a expressão que ouvi ainda hoje (25/10/2005) de um prezado colega especializado em direito econômico: “o Estado brasileiro tem o hábito de criar cães de ataque, mas sem dentes, em especial, contra si próprio”.
É acaciano que o PL, caso se torne lei como está, não dará ao Estado brasileiro nenhum “cão com dentes”, pois ainda privilegia a solução da implantação de “aterros” como a quase única viável, desprezando as mais modernas gestões e inovações de desenvolvimento sustentável, que integram “logisticamente” o público com o privado e os esforços do Estado, em conjunto com os demandatórios à sociedade, na diminuição e reciclagem do lixo.
Sem contar que, como o Projeto estaticamente prevê ou singelamente não prevê, desde já deve este cidadão “profeticamente” anunciar que não “poderão ser incorporadas brevemente as inovações mundiais na coleta, reciclagem e deposição de lixo”, que os aterros ficarão obviamente “muito caros”, que deverão também ser explorados “por muito poucas empresas”, que também “terminarão por habitualmente ser as mesmas” e que, por fim, deverão “oligopolizar um serviço simples que é o da coleta e deposição de lixo”, disposições estas impraticáveis para a saúde concorrencial do mercado de lixo e inconcebíveis pelo direito da competição, como normatizado pela lei federal 8.884/94. (Vide parecer CECORE/OAB/SP e a ACP do MPE/SP sobre a legalidade da concorrência do lixo em regime de concessão, no município de São Paulo).
Também é curioso que o PL 326/05 chegue a ter um certo tom assistencialista, ao mencionar até a inclusão social de catadores de lixo, mas não aborde os impactos sócio-ambientais conseqüentes a políticas públicas mal planejadas em nome de imorais motivos de força maior e o interesse das populações circunvizinhas ou atingidas pelos novéis aterros.
O PL 326/05 também é tímido, quase covarde e anacrônico, a não prever condignamente o comando e a fiscalização que deve haver para a educação ambiental e o esforço na redução individual dos resíduos sólidos.
Também não se encontram no Projeto de Lei, mecanismos modernos e claros de administração pública, como o “fast-track” para alguns tipos específicos de licenças e o planejamento prévio e adequado para que se busque a eficiência do setor e que sejam corretamente enfrentadas a emergência e a continuidade dos serviços públicos, dois casos de dilemas brasileiros correntes na coleta e deposição de resíduos sólidos.
Por fim, deve ser dado um alerta: O PL 326/05 também padece de má-técnica legislativa, pois pode conflitar com a Lei estadual 9.509/97 (que dispõe sobre a Política Estadual do Meio Ambiente) e, em seu final, pretende “quixotescamente” revogar a Lei estadual nº 11.387, de 27 de maio de 2003, que dispõe sobre a apresentação de um “Plano Diretor de Resíduos Sólidos para o Estado de São Paulo”. Da simples leitura da lei 11.387, verifica-se que esta contempla objetivos muito mais amplos do que os cobertos pelo tímido PL 326/05, que não poderia revogar diretrizes que não cumpre, nem em mínima parte.
Espera-se que estas breves notas críticas inspirem aos legisladores paulistas, para que aproveitem o pouco tempo que ainda resta, a não terem que perdê-lo, num todo e novamente, no futuro. Ainda que outros Estados da Federação tenham coincidente e recentemente editado leis similares (que padecem dos mesmos problemas), estas não deveriam inspirar a locomotiva paulista a comodamente seguir pelos mesmos trilhos tortuosos, que podem levar a lugar nenhum e que, em menos de 5 anos, poderá, a sociedade paulista avaliar e condenar os resultados do percurso.
A tarefa do cidadão não é buscar "academicamente" a perfeição ou "doutrinariamente" resolver a utopia dos problemas complexos, mas tão somente alertar e instigar o debate, de maneira pública e transparente, sem pretender ser exato, mas apenas ser, exatamente democrático.
Por um estado de São Paulo melhor, que faça hoje, a sua parte, em ser um exemplo de “desenvolvimento sustentável”, para o Brasil e suas futuras gerações.
Lembremo-nos sempre, que não há qualquer sentido de se falar em promover o sonhado "desenvolvimento sustentável", sem que se enfrente corajosamente os seus prováveis piores inimigos, os resíduos sólidos, o popular "lixo", resultado puro, mal cheiroso e "acondicionável em sacos", do egoísta e preguiçoso cotidiano individual, de todos nós.