quinta-feira, junho 02, 2005

CRÔNICA: UMA VALSA PARA JOSÉ SERRA, NUMA FESTA DA DEMOCRACIA

É indiscutível a beleza da valsa, uma dança em compasso ternário (v.Houaiss), constituída por uma série de melodias entremeadas, com introdução e coda. Em movimentos extremante harmônicos, o romântico par de dançarinos parece flutuar em meio aos acordes. A beleza da valsa é de tal forma significativa, que é possível elegê-la como paradigma para quaisquer situações onde se pretenda demonstrar o valor da harmonia, em respeito à melodia. Uma relação de sensibilidade, como deveria se dar entre os políticos e a democracia, entre os alcaides e seus cidadãos, exatamente o que se espera na administração do patrimônio público da cidade de São Paulo, onde a “Cidadania” foi recentemente retirada para uma “valsa”, pelo prefeito José Serra, o seu par atual.
Depois de uma série de olhares receosos, mas cativada por nobres palavras e encantada pelos corajosos discursos de um Cavalheiro, convenceu-se a Cidadania de São Paulo, que José Serra seria alguém finalmente capaz de dirigir-lhe os passos e promover um verdadeiro espetáculo de dança para a platéia, não pisando em seus pés, já exauridos por seus inábeis pares anteriores.
E nesta dança, já existem diversos acordes retinindo e ressoando.
A cruel Lei de Responsabilidade Fiscal, que bruscamente interrompe a melodia, os precatórios que obrigam os dançarinos a repetir insistentemente os movimentos giratórios e a concorrência do lixo, que já testa a habilidade do par José Serra, em demonstrar na prática, a valentia estampada em seus discursos. Mas a dança continua ...
Extremamente interessada, encontra-se na platéia, vigilante, a dona do festim, a Democracia brasileira, que recentemente foi convidada para a valsa pelo Prefeito José Serra e não aceitou o seu convite, preferindo adotar por par, na ocasião e desde então, o insistente Lula, que humildemente a acompanha com fidalguia, ainda que nas velhas canções.
Mas a música toca e José Serra precisa demonstrar a seu novel par, a Cidadania, a criatividade de seus passos e a coragem de enfrentar qualquer acorde, ainda que abrupto ou inédito. E que talvez, uma má escolha, tenha feito a Democracia brasileira. Em meio a um salão repleto de cadeiras, esquiva-se, então, José Serra de seus obstáculos, levando em seus braços, por piruetas e com extrema concentração, a que espera ser somente sua, o seu par, a Cidadania. E a dança ainda prossegue ...
Até que então, em meio aos antigos políticos que servem a platéia, supervisionados pelos “bacanas dos gabinetes”, grita abruptamente, de maneira ensurdecedora, interrompendo a música, a Democracia brasileira: “Quero dançar a valsa composta para minha dileta filha, a participação popular. A valsa que mais prezo, a do povo, pelo povo e para o povo. Desejo, momentaneamente, que José Serra seja meu par. Lula que aguarde por apenas uma canção, a do plebiscito.”
Em nobre atitude, levanta-se o hábil compositor e maestro Fábio Konder Comparato, acompanhado por dois violinistas, os vereadores Paulo Teixeira e Soninha, que abrem singelamente a melodia, initulada como PL 151/05, prontamente seguida pela maioria da Orquestra da Câmara Municipal de São Paulo.
Calados, revoltam-se os músicos do PSDB, que interrompem a canção, dizendo não a terem ensaiado e que a Democracia não poderá acompanhar José Serra em tão profusa melodia, como a do plebiscito, onde seria impossível que se mantivesse harmonia, já que precedida pelo grito histérico da Democracia.
Num grande impasse, fica em silêncio sepulcral o salão, assim como o cavalheiro José Serra, que está com a Cidadania, a observá-lo, receosa, em seus braços.
Uma decisão de novo compasso deverá ser tomada, um desafio a um grande dançarino, como se entende José Serra. Poderá se negar a dançar com a Democracia? Será igual aos tantos políticos que servem a platéia e aos “bacanas dos gabinetes”, que não ousam arriscar passos abertos? Conseguirá José Serra dançar sem os bumbos do PSDB?
Retoma-se então, timidamente, como fundo musical, a valsa do plebiscito, tocada apenas pelos violinos. Adentram o salão os demais convidados da Democracia, as Associações, as Ongs, o querido primo, o Parquet, destacando-se dentre estes, os gêmeos conhecidos como Orçamentos participativos, todos a observar e aguardar pela decisão do agora petrificado José Serra.
Infelizmente esta emocionante história pára aqui, já que até o momento, ainda não houve o seu final.
Ainda aguarda a Cidadania que seu par José Serra decida, se enfrentará ou não, como grande dançarino que pretende ser, a valsa do plebiscito, ainda mais tendo por par a exuberante Democracia.
Somente a José Serra cabe tomar a decisão e sancionar, ou vetar, a lei do plebiscito, uma valsa escolhida pela Democracia.
Uma escolha difícil: arriscar dançar corajosamente, com a nobreza de um estadista, ou desculpar-se a todos, já que não pretende mais dançar, ao contrário, prefere confraternizar-se e jantar com os políticos antigos e os bacanas dos gabinetes, seus diletos admiradores e protetores.
Talvez a Democracia e seus familiares, que a tudo assistem, devam estar pensando: Oh, que impasse, que pena. A valsa do plebiscito é tão bela! Será que José Serra terá coragem, com a mesma altivez, de retirar futuramente, para dançar, a Democracia brasileira? Se nem ao menos arrisca dançar uma canção, a do plebiscito, mereceria José Serra, doravante, o respeito da Democracia ? Será que o seu ritmo é o que assusta e paralisa José Serra?
Todos aguardam pelo epílogo desta história, aguardando pela coragem e iniciativa do Cavalheiro José Serra.
E Lula, de longe, atento, também observa, e aguarda ...

Antonio Luís Guimarães de Álvares Otero
cidadão brasileiro e paulistano, consumidor, advogado