quinta-feira, março 10, 2005

A assinatura básica da telefonia e o “direito de opção” – um novo paradigma.

Este artigo não pretende ser acadêmico, o que seria uma heresia diante do brilhantismo das mais diversas teses esposadas atualmente, pelos melhores juristas brasileiros, contra a assinatura básica da telefonia fixa. Ao contrário, procura ser pragmático, intentando, em texto rápido e de fácil compreensão, demonstrar a ineficácia atual das referidas teses, apesar de sua total pertinência legal, apontando o motivo do seu infeliz insucesso e, finalmente, oferecendo para a referida quaestio, uma solução possível e imediata, “salomônica”, ou como preferem os atuais neoliberais, “jurídico-econômica”. (o trocadilho é incontornável)
Pois bem. O dilema da cobrança de assinatura básica, pelas operadoras de telefonia, vem inundando nossos Tribunais. Dezenas de milhares de ações, individuais e coletivas, vêm sendo propostas em todos os estados da Federação, enquanto a comoção popular forma filas defronte aos Juizados Especiais. Até “Kits de Ações Contra Telefônicas” estão sendo disponibilizados para venda aberta na Internet. Os Ministérios Públicos, os Procons e as Associações Civis de defesa do consumidor lutam, heroicamente, através das mais variadas e brilhantes teses, em esfera difusa e coletiva, para tentar fazer valer o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em sua essência.
Argumentam os consumeristas, em resumo, contra a assinatura básica: a relação de consumo, a ilegalidade da cobrança, o enriquecimento indevido das Concessionárias, a existência de cláusulas abusivas nos Contratos de adesão, a ausência de transparência das operadoras, a ocorrência de venda casada e a inexistência de eqüidade, já que, no mérito, os consumidores estão pagando por algo que não usufruem diretamente. As teses esboçadas são brilhantes, tanto em seu mérito, quanto por suas razões de direito, sendo difícil destacar as que melhor retratam o abuso existente na relação mantida entre as operadoras e seus consumidores, o que é patente.
Por ser tão óbvia a ilegalidade da assinatura básica, exatamente como é defendida com extremo rigor técnico-jurídico, pela maioria dos juristas brasileiros, por que tantas teses vêm se demonstrando totalmente ineficazes perante o Poder Judiciário, que as tem derrotado às pencas? Não vigora o Código de Defesa do Consumidor? Ou saberiam os nossos Tribunais algo que os juristas não sabem? Ou que o povo não possa entender?
Perguntas capciosas que ninguém ousa responder, até porque as respostas não guardarão qualquer consonância com a realidade, que nos dá os fatos correntes como respostas tácitas, que são empiricamente demonstradas por dezenas de milhares de resultados de julgamentos, que têm sido proferidos pelos Tribunais de todo o país. No caso da assinatura básica, quem ousaria afirmar portanto, ser o CDC uma norma cogente de interesse público e cunho social?
Ora, é evidente que a ampla maioria dos julgados demonstra o contrário, por relativizar a extensão e aplicabilidade do CDC, sempre que este se choca com o “suposto interesse do Estado”, para preservar o equilíbrio econômico-financeiro de “seus contratos” e sua “segurança jurídica”. Neste passo, até nossa Constituição Federal é curvada ao limite, para que, política e semanticamente, se justifique uma proteção estatal a condutas (típicas inclusive) que não possuem qualquer base legal, mas tão somente elucubrações econômicas.
É uma aplicação prática do “Princípio de Reserva de Capacidade Estatal” (vide outro artigo, com mesmo nome, do próprio autor), onde o Estado se reserva o direito de proteger, em nome de seus receios e a partir de elementos não demonstrados ou provados empiricamente, aquilo em que acredita e precisa defender, “apesar” da lei.
Exatamente como vem ocorrendo no caso das assinaturas básicas de telefonia, em que a legalidade do CDC vem sendo totalmente relativizada perante o poder judiciário e, ignorada, em esfera administrativa, pela ANATEL, a Agência responsável pela regulação e regulamentação do setor. Considerado o “princípio da reserva de capacidade estatal”, constitui-se uma obviedade, portanto, que os consumidores percam, de forma massiva, suas ações judiciais, sempre que lastreadas e confiantes apenas na lei, já que de outro lado, existe uma premissa estatal de que diminuir ganhos de multinacionais, cujas sedes se encontram nos países que mais investem no Brasil, não é politicamente simpático, assim como também não é nada agradável, que o mundo todo pense que a lei brasileira é insegura para o “capital”. Ou ainda pior, que o Governo brasileiro não esteja protegendo as empresas de capital estrangeiro. Em miúdos, a lei é sumariamente contornada pela incapacidade política e democrática de nossos Governantes, que preferem, ao invés de segui-la, dialogar com os demais poderes e a eles impor, politicamente, o suposto “ônus” dos riscos, negociando uma letargia legal até que o quadro fático seja outro.
Embora este artigo não seja propriamente jurídico, cabe esclarecer que toda a ordem jurídica brasileira se inicia com o princípio da legalidade entalhado em nossa CF (art.5.º, II e 37) e que até a discricionariedade estatal, ainda que considerada em sua máxima elasticidade, deve se submeter a seus limites, sob pena de se tornar desarrazoada, desproporcional, pessoal e imoral.
E também que nossos mais modernos diplomas de direito material (CDC – Lei 8.078/90 e NCC – Lei 10.406/02), exatamente os que se aplicam com excelência às relações dos consumidores com as telefônicas, consagram direitos sociais que devem ‘nortear’ a livre convicção de nossos magistrados. Em tal sentido, jamais poderiam nossos Tribunais aceitar sumariamente que elucubrações ou discursos econômicos, que não sejam efetivamente comprovadas nas lides, possam abjudicar e absumir, de forma injustificada, direitos sociais indiscutíveis, que não dependem de prova! Lembremo-nos ainda que caberia, de qualquer forma, exclusivamente às operadoras de telefonia, a produção de tal prova, dado o seu caráter eminentemente técnico, não possuindo os consumidores hiposuficientes, quaisquer condições de realizá-la, especialmente em ações individuais, mormente nos céleres Juizados Especiais.
Aspectos econômicos, em razão de sua inolvidável importância, devem ser, necessariamente, objeto de prova, para que tenham demonstrada a sua pertinência técnica, jamais podendo, ao contrário, ser valorados como absolutos, apenas por se originar de discurso ou interesse estatal, diga-se, governamental. Curiosamente, as elucubrações econômicas (sem qualquer base legal, despidas de legalidade) ou “eficiências” jamais são demonstradas ou provadas nas lides, o que ocorre quase sempre por aspectos processuais, surgindo apenas como decisões peremptórias, surpreendentemente, nos despachos, ainda que interlocutórios e, principalmente, nas sentenças, quando então já será tarde demais.
No quadro demonstrado, de profusa anarquia, inefetividade e ineficácia legal, jamais poderão, portanto, os consumidores brasileiros de telefonia, ter a aplicação do CDC, em toda a sua nobreza e pujança, já que o “aperto legal ou judicial” às operadoras poderia colocar em risco a “capacidade do Estado”. Diga-se de passagem que o mesmo também ocorre com outros setores nevrálgicos de nosso país, como os da eletricidade, do transporte, dos bancos e etc... .
Há, contudo, uma solução quase imediata, salomônica, ou jurídico-econômica, como preferem os neoliberais.
Pergunta-se: Por que o Governo, ou a ANATEL, ou as operadoras de telefonia fixa não oferecem, de imediato, planos alternativos aos Consumidores, com tarifa zero, ainda que com preços mais altos para as ligações? Com tanta tecnologia, seria crível que as operadoras de telefonia fixa não pudessem fazer, em poucos meses, cálculos e ajustes operacionais que preservem a lucratividade de seu negócio? Ou teriam medo de abrir seus números e ver descoberto pela Sociedade que o negócio de telefonia fixa é um monopólio de muitos lucros e poucos custos? Ou será até que, atuarialmente, é muito melhor negócio discutir a assinatura básica no Poder Judiciário, em razão da “reserva de capacidade do estado”, que fará com que o STF se pronuncie, em alguns anos, definitivamente, a seu favor?
Postos alguns raciocínios, talvez maquiavélicos, mas não distantes dos resultados da práxis que o Governo tem oferecido à Sociedade brasileira, conclui-se que deveriam ser propostas ações judiciais, apenas em caráter coletivo e difuso, que compelissem as autoridades e as operadoras a dar o “direito de opção” aos consumidores, normatizado no art. 6.º , inciso II , do CDC.
Poderia então o Consumidor “optar” entre diversos planos, tanto pelo que cobra tarifa zero e ligações mais caras, quanto por outros, de formatos distintos, inclusive como o atual. Ainda que economistas aleguem aumento ou repasse de custos das tarifas, é indiscutível que cada consumidor poderá livremente escolher, assim como acontece com a telefonia celular.
Destaque-se que pelo “direito de opção”, podem ser respeitados, concomitantemente, os direitos das partes conflitantes em seus interesses, alinhando-se a vontade com a capacidade, para se obter o equilíbrio e a possibilidade, inclusive legal.
Ousa-se até dizer que o “direito de opção” será, num futuro breve, o grande paradigma para a legalidade e o equilíbrio das relações consumeristas e civis, já que tal direito, leva tanto ao respeito à vontade e capacidade individuais, quanto a uma saudável concorrência empresarial no mercado, que tem espaço para todos, especialmente aqueles que eficientemente respeitam vontades (poder de escolha) e capacidades (possibilidade de escolha).
O direito de opção é de tal maneira importante, no moderno direito civil, que terminará ainda, quando devidamente compreendido pelos juristas, por ser fonte primordial, até de eleição, das obrigações e dos contratos.
A aplicação do direito de opção é uma alternativa salomônica, pois abre uma porta de saída para a legalidade, para o Governo e para as próprias empresas, que poderiam em poucos meses oferecer condições mais justas para seus consumidores, os quais por sua vez, não mais se veriam obrigados a congestionar o Poder Judiciário.
Conclui-se então, que caso não seja oferecido pelas Autoridades ou pelas Empresas de Telefonia o “direito de opção”, deve ser este buscado com rigor, imediatamente e apenas por intermédio de ações civis coletivas, jamais individuais. Ainda que demore alguns meses, estaria solucionada esta etapa da discussão sobre a cobrança da assinatura básica pelas operadoras de telefonia fixa. Uma solução legal e atual, uma “opção” que pode se tornar um novo paradigma para o moderno Direito Civil brasileiro, aplicável inclusive, às relações consumeristas com as operadoras de telefonia.

Artigo concluído em 10/03/2005.